Quando eu te pergunto se você se sente sensual é bem provável que a resposta seja não, porque os padrões de sensualidade que estão postos em nossa sociedade são padrões que muitas mulheres não se encaixam.
Afinal se para ser sensual é preciso vestir uma lingerie, talvez você não consiga se sentir sensual porque na loja não tem uma lingerie que te sirva, se você é uma mulher negra pode não se sentir sensual quando todas as referências de mulher sensual que te mostram são de mulheres brancas ou talvez você não se sinta confortável em expressar a sua sensualidade em uma sociedade que hipersexualisa o corpo da mulher negra.
E é muito forte pensar que a palavra sensual já vem carregada de um certo pensamento como sendo algo menor, porque quem criou a linguagem vigente atual foram homens brancos não-latinos, então todos os conceitos que foram criados e designados ao feminino já estão postos no jogo como algo inferior.
Quando seguimos na questão da sensualidade e não nos aprofundamos no conceito, a primeira coisa que vem a mente é essa sensualidade televisionada e super padronizada, que faz com que a gente acredite que tem um corpo único que pode ser sensual, um padrão de corpo que é validado como sexual. Afirmando desta forma que apenas este tipo de corpo está autorizado a sentir prazer e gozar, mas é claro, apenas se este corpo também expressar uma performance muito específica na cama, que é ditada pela industria pornográfica.
Então todo o trabalho que temos que fazer como movimento feminista, e mais especificamente a epistemologia feminista, é de ressignificar essas palavras, assim como a gente ressignificou a palavra puta, assim como o movimento LGBTQI+ ressignificou o termo QUEER, assim como as curandeiras extraíram força da palavra bruxa, todos esses termos e muitos outros, alguns óbvios e outras nem tanto, foram criados para nos diminuir, afirmar que devemos nos manter em um lugar subalterno.
A própria palavra mulher quando encaixada em muitas frases designa algo fraco e de menor valor: “Ah mas isso é coisa de mulher” “Dirige igual mulher” “Tá virando mulherzinha é?!” “Mulher é o sexo frágil” “Mulher é muito sentimental” “Vira macho! Senão vão te comer igual mulherzinha”.
Então a sensualidade muitas vezes está posta como algo menor, como algo que está a serviço do outro e ainda é vista como uma forma de agradar os homens. E tudo que é tido como sensual não são as mulheres como grupo que ditam e muito menos as mulheres como indivíduos autônomos com total capacidade de comunicar o que é sensual para elas.
Precisamos conseguir expressar o que é sensual para cada uma de nós, para que com isso todas essas multiplicidades estejam visíveis . Porque hoje o que temos é um único padrão de sensualidade, se eu falar a palavra sensual e tu fechar os olhos é bem provável que apareça uma mulher branca, magra e de lingerie. Se tu pesquisar sexy e sensual aparece um monte de mulher de lingerie.
Momento Autorreflexão
◾ E agora eu te pergunto, homens podem ser sensuais? Ou a sensualidade está presa ao feminino?
◾ Mulheres gordas podem ser sensuais? Ou a sensualidade está presa a magreza?
◾ Mulheres Trans podem ser sensuais? Ou a sensualidade é algo restrito as mulheres cis?
◾ Mulheres Negras podem ser sensuais? Sem que seus corpos sejam hipersexualizados e lidos como algo público?
Vejo esses questionamentos como uma boa oportunidade para nos re-educarmos, porque estamos com este padrão dentro de nós e é super complexo conseguir ver com clareza o que é nosso e o que foi implantado pelo modelo social em que vivemos.
E aí vale muito a pena fazer um exercício de rememoração desses padrões que se manifestaram no passado e alguns que ainda fazem parte do nosso momento atual.
Quando eu, Bianca, faço esse exercício percebo que consegui me libertar de vários padrões que não faziam sentido pra mim, como a necessidade de me depilar ou de ter cabelo comprido para ser lida como mulher padrão, que são coisas mais físicas. Até coisas referentes as minhas emoções, como o direito de sentir e expressar a minha raiva e não me deixar ser rotulada como uma mulher histérica ou de tpm e outras tantas questões no meio acadêmico e profissional.
Mas eu ainda mantenho comportamentos que estão dentro deste padrão como o uso da lingerie, que é algo que me conecta muito com a minha avó que é uma mulher super poderosa, que fez parte da minha criação e que é uma referência pra mim, ela sempre foi apaixonada por lingerie, a gente ia comprar juntas e esse era um momento muito especial. Então pra mim a lingerie vem cheia de memórias de uma mulher muito poderosa.
Mas eu entendo que nem todas as mulheres se sintam assim pois reconheço também o meu lugar de privilégio de ter um corpo magro e branco, já que o meu corpo visto com uma lingerie é lido pela sociedade de uma forma diferente que o corpo de uma mulher gorda de lingerie e o corpo de uma mulher negra de lingerie e o corpo de uma mulher trans de lingerie.
E talvez por isso que eu me sinta mais confortável para mostrar meu corpo em mídias e falar abertamente sobre isso, pois eu não estou mais em um lugar de medo ou repressão voraz por conta destes privilégios. Então estou aqui usufruindo do privilégio da fala e abrindo espaço para reflexões, mas sei que não falo por todas, muito pelo contrário. Então conto com a ajuda de vocês para multiplicar ainda mais as falas desse mundão.
Foto de capa: Timo Wagner